Onda do Norte...

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Chuva e vento desassossegados
falam uma linguagem que não domino.
Cúmplices no homicídio qualificado,
na forma tentada,
de afogar o outono.
O abacateiro suporta firme a enxurrada.
A água que não sustem
desliza em cada folha
como se fossem lágrimas.
Por trás da vidraça,
testemunha silenciosa,
em apneia,
para não perturbar o momento...

Preparo-me para o luto,
acendo todas as velas
que formam o percurso até mim.
Não sei se há luto
para o inacabado.
Primeiro morrem os sonhos,
depois é o silêncio que fala,
eco que deseja ser voz.
Olho o espelho:
reflete a indiferença de mim.
Vigília ritmada
que se inventa.
Terei sempre o esquecimento,
um instante para sublinhar,
e a noite...
A noite é o meu lugar.
Eu não sei se é a morte
que pousa na minha sombra.
Pelas vezes que morri,
pelas vezes que me ergui,
ergue-se a lua,
empática,
e chora sob o meu nome.
Penitência de um ser anónimo:
a essência purificada pela dor.
Visto-me de cinzas.

Gosto das palavras na hora das estrelas
Da esplanada na hora das gaivotas
Gosto da chuva em telhados de vidro
Gosto de dias que não são dias
E de tardes que desaguam no mar.
As pétalas das papoilas voam como pássaros feitos de papel
Aterram, planadas, numa terra sem Rei.
Mal me quer, não me quer
Mal me quer, não me quer...

As sílabas soltam-se das palavras e formam
um labirinto com sombras,
permanentemente mudas,
na ânsia de um adeus póstumo.
Não, não há palavras assim!
Fuma mais um cigarro — que eu não conto porquê.
Apaga a luz ao sair,
quero desligar-me no escuro.
Foi o que disse a saudade, ocupada em nascer e morrer,
num silêncio que quase cala as palavras
forradas de sílabas verdes.
Não, não há palavras assim!
Na metamorfose do nada, verde foi também
o reflexo do teu olhar no meu.
Quis-te com o medo de tudo ser impossível — e ganhei.
Há vitórias assim!
Por vezes, sinto esta vontade estranha
de fazer minutos infindáveis de silêncio, por mim.
Por vezes, deixo os minutos intactos
e olho o teu casaco sobre o meu.
Há abraços assim!
No desalento, morri ontem. Estou tão cansada!
Sou feita de momentos.
Quero lágrimas na despedida — uma ausência não me basta.
Quero uma história de amor com princípio, meio e fim.
Há histórias assim!

Há momentos assim...
Que acontecem sem sabermos porquê.
Em que se dizem coisas lindas, sem sentido,
mas válidas para o instante em que são ditas.
E há amores assim...
Que chegam sem hora marcada.
Em que se gosta na medida certa,
e a entrega é desmedida.
Há momentos assim...
Tranquilos, sem a ansiedade de outros.
Sem que se anule o desejo
de que voltem a acontecer.
Há amores assim...
Sem os nossos lugares,
sem a nossa música.
Mas é nossa a lua.
E há uma voz que sussurra:
"Quando vires a lua, lembra-te de mim."
Há amores assim...
Feitos de abraços.
E há momentos assim...
Em que me permiti ser a outra.
Que importa?
Também já estava farta de mim.

Existe o nada

Palavras cerradas pela raiva,
que adquiriu a fisionomia da pedra.
Mas eu… já lá não estava.
Acuso-me.
Atiro-me para longe,
congelo o desejo do retrocesso.
E o pensamento, soletrado, ali tão perto…
Espalho o meu destino pelo vento.
Uma a uma, farripas de contradição
ditam o veredicto do perder fabricado
pela novidade incorreta.
Era para lá que eu ia…
O que sobrou do reflexo inverso ao do espelho?
Vontades desfeitas, no sentido oposto
ao ponteiro que falhou.
Foi o que eu aprendi…
Desmemórias traduzidas da marca dos passos
na terra batida.
Quem não lembrou que tudo em mim
era um pouco do que fingi?
E o belo tornou-se vulgar.
Não foi o que quis esquecer…
"Foto editada por Photomania"
foto do meu álbum "Reflexos"
Perco-me em pensamentos,
numa pausa para doer.
Há momentos que desabam
sem pontuar...
como se todas as sílabas devessem voar juntas.
Sei gostar do passado,
mesmo quando dói.
Quando digo "adeus"
e ninguém responde.
O desencanto do presente,
um sussurro sem revolta.
A promessa camuflada.
Uma mão cheia de coisas que desacontecem.
Mas nada interessa,
quando tudo o que perdi
foi a meu favor...

Pecados plagiados desabam sem dono.
Suspiros desleais deram à costa.
A madrugada desperta sonâmbula
e nua.
Afaga o silêncio, embriagada de sombras.
Veste-se de névoa e recua.
Resiste.
Escandalosamente pura.
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