Notas de um sonho breve...
Era uma rua escura, inodora, daquelas ruas onde não acontece nada.
Do lado de lá de uma janela, alguém tocava uma balada. Sentei-me num degrau do prédio, como quem espera a chave para entrar. A melodia surgia como o lamento de alguém que queria ir muito para além de um encontro improvável.
Encostei-me à parede fria, fechei os olhos e imaginei uma sala despida de adornos. Apenas um piano. Alguém, no masculino, de feições indefinidas, sem carisma emocional, deixava as notas acontecerem, indiferente.
Foi aí que entrei na sala. Senti-me impotente e frágil, pálida como um fantasma que não morreu.
O abraço fez-se em passo de dança, num redopio lento de quem reconhece a presença e quer a todo o custo não a deixar fugir.
Tentei descobrir ali um atalho para a normalidade. O máximo que consegui foi um pensamento fatigado: Agora é tarde para querer sair daqui. Envolvida num abraço de náufraga, deixei-me afogar num barulho de cristais, com suspiros de cetim.
Voltei à rua. Deixei-o a arrumar a minha ausência. Não olhei para trás.
Abri os olhos. A parede continuava fria. A balada fora substituída por um ritmo mais descontraído.
A noite estava instalada. Rumei em direção à estação e fiquei no escuro, à espera do comboio seguinte...